Exma. Senhora Presidente,

Tomei conhecimento pelos jornais da orientação, emitida a 23 de abril, pela CNPD (Comissão Nacional de Proteção de Dados), na qual é considerada ilegal a medição pelo empregador da temperatura dos seus trabalhadores. Através desta carta aberta venho informar a CNPD que, a 1 de Março, comuniquei que é condição de acesso a qualquer local de trabalho da Hovione não apresentar temperatura superior a 37.5ºC e que isso é verificado à entrada da empresa.

Desde essa data é exigido a todas as pessoas que: i) lavem as mãos, ii) tenham a temperatura corporal medida por um termómetro de infravermelhos, iii) coloquem máscara. Por conseguinte, quem não apresentar uma temperatura inferior a 37.5ºC, quem recusar a medição da temperatura, não aceitar usar máscara ou recuse lavar as mãos fica impedido de entrar na Hovione. A regra aplica-se a qualquer pessoa: empregado, administrador, fornecedor, cliente ou visitante. Esta verificação acontece há dois meses, desde fevereiro, repete-se todos os dias, sem falhas, e assim continuará a ser enquanto a pandemia exigir esta medida de prevenção.

Quando, há poucas semanas, o Senhor Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o Senhor Ministro Adjunto e da Economia, Pedro Siza Vieira, visitaram a Hovione não hesitaram em cumprir esta regra de segurança.

Como administrador-delegado tenho muito presente que a minha primeira obrigação – e a de qualquer empregador – é a de criar e manter, em todas as circunstâncias, as melhores condições de segurança no local de trabalho. Esta obrigação tem ainda mais significado para a indústria da saúde devido à importância estratégica e ao impacto desta atividade. Recebi, aliás, um pedido expresso da Comissária Stella Kyriakides, a 3 de Abril, para que a Hovione fizesse os máximos esforços para continuar a laborar. Dito de outra maneira: a Hovione não pode parar de produzir medicamentos, isso teria impacto direto na vida dos doentes.

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Acresce que, por causa da pandemia, somos hoje a segunda linha de defesa contra o vírus, o que implica assumir uma responsabilidade especial. Se a nossa força de trabalho não comparecer todos os dias ou se surgir um problema que nos obrigue a suspender as operações não conseguimos fabricar medicamentos. As consequências são evidentes e é por isso que o maior desafio que tenho por estes dias é o de criar condições de ânimo e confiança – leia-se, segurança — junto do nosso pessoal. Só assim é também possível dar o contributo que estamos a dar ao nosso país: desde 13 de Março já fabricámos e doámos gel-desinfetante em quantidade suficiente para que dois milhões de portugueses lavem as mãos várias vezes ao dia durante uma semana.

Por tudo isto, a interpretação da CNPD é lesiva dos interesses da população e do nosso país. Não se coaduna com os princípios que defendemos: entra em choque directo com eles. Não há outra forma simples e rápida de despistar doentes de Covid-19. Identificar as pessoas com febre e não permitir que entrem no local de trabalho, dando-lhes indicações básicas sobre o que fazer, é o mínimo que um empregador pode fazer para proteger o seu pessoal, as suas famílias e a nossa comunidade.

Não posso, portanto, permitir que a bizarra orientação da CNPD altere os procedimentos de segurança vigentes na empresa, até porque esta nossa posição não desrespeita a confidencialidade dos dados e é um passo fundamental para assegurar um interesse superior – o da sua saúde. Pelo que sei, há pelo menos uma outra autoridade nacional de proteção de dados europeia que refere claramente – e bem – que a simples medição de temperatura não constitui, por si só, tratamento de dados pessoais – o que, de resto, parece evidente.

Por mais que me esforce não consigo entender como, nesta fase tão sensível, é possível deixar o tecido empresarial português perante o dilema de cumprir uma orientação legal  que contraria o bom-senso, a ciência e o elementar instinto de sobrevivência.

Esta situação não pode perdurar. Ela põe em risco vidas humanas e desarma as pessoas perante o vírus.